NÓS POR CÁ 1 - SPORTMOTORES.COM
Gostaria de começar por apresentar as minhas sinceras desculpas por ter falhado a data de apresentação do texto que agora vos apresento. Os últimos meses passaram, para mim, ainda mais a correr do que é normal: A minha época a começar, o acompanhar o Filipe Albuquerque, a equipa de Karts e... agora também a minha filha! que nasceu há 4 meses... Por estas razões estou certo que me irão perdoar!

Era minha intenção há já algum tempo escrever e dar uma opinião sobre o desporto automóvel nacional.

Apesar de ter emigrado há mais de 15 anos, esta é a minha décima sexta temporada "fora de casa", continuei sempre muito ligado ao que por cá se fazia. É natural que a minha abordagem se centre hoje na velocidade, mas quero deixar o meu testemunho, proximamente, sobre as duas outras grandes modalidades que se praticam em Portugal: Os Rallies e o Todo-o-Terreno.


A Velocidade:
Esta é disciplina que mais pilotos internacionais tem dado ao nosso país. Nomes sonantes do automobilismo nacional que têm projectado além fronteiras a qualidade dos praticantes portugueses.

Pedro Matos Chaves, Pedro Lamy, Manuel Gião, Ni Amorim, João Barbosa ou Tiago Monteiro e mais recentemente Álvaro Parente, João Urbano ou Filipe Albuquerque são, por si, o espelho da qualidade de praticantes que temos "por cá".

Mas¿ se a velocidade é aquela que mais pilotos de mérito internacional nos tem proporcionado, então porquê ser também aquela que das "três mais", piores momentos atravessa nacionalmente?

Ao fim de todos estes anos, a apreciar todos os acontecimentos tanto no seu interior como do exterior, posso afirmar-vos com muita segurança que o problema essencial está mesmo em nós... Os Pilotos... Pelas melhores, mas também pelas piores razões... E porquê?

Ao fazermos uma rápida análise sobre os praticantes nacionais das três modalidades com mais destaque em Portugal, chegamos à conclusão que é na "velocidade" que a maior parte dos jovens tenta a sua sorte numa carreira profissional.

Ora, como sabemos, uma carreira profissional implica a internacionalização destes mesmos pilotos, pois por muito fortes que sejam os campeonatos em Portugal, somente "fora de casa" encontramos as melhores saídas para o futuro.

Ao deixarem o país, deixam também vazia a possibilidade de termos provas nacionais de velocidade com os seus melhores praticantes, ou pelo menos os mais conceituados, e por essa razão ficam as provas nacionais destinadas àqueles que, por uma ou outra razão, não pretendem emigrar.

Mas, pensamos e perguntamos todos nós:
Podendo os pilotos internacionais e nacionais coabitar em campeonatos realizados no nosso país, porque não o fazem?
Acho que a resposta está numa palavra: Atitude.

Atitude dos pilotos perante a realidade nacional, mas também de uma intervenção Federativa fraca no que respeita à condução de alguns dos mais importantes "pontos" do automobilismo português.

Sempre achei isso desde que comecei a correr de automóvel, após largar os Karts em 1988. Não vou aqui falar sobre a "Federação", pois acho que isso é a forma mais fácil de "sacudir a água" de uma "gabardine" que nós pilotos vestimos... Sempre achei que antes de atacarmos ou criticarmos quem quer que seja, devemos olhar para dentro e ver onde estamos nós errados. Vejamos:

Quando comecei a correr nos automóveis, em 1989, existiam dois fortes campeonatos de velocidade. O Nacional de Fórmula Ford e o de Turismos. Podíamos ver, tanto num como noutro, pilotos de reconhecidos méritos e que, ou estavam a tentar alcançar resultados para "emigrar" e "levantar em voos mais altos", ou simplesmente tinham decidido ficar "por cá" ou mesmo "retornar a casa" depois de uma carreira internacional.

Lembro-me da época em que corri em Portugal estarem na Fórmula Ford pilotos como o Pedro (Lamy), o Manel (Gião) ou o Diogo (Castro Santos) e competirmos com nomes sonantes como Paulo Longo, Luís Figueiredo e Silva, PêQuêPê ou o próprio Ni (Amorim) que dava um "saltinho" dos Turismos para correr nalgumas provas de Fórmulas. Por outro lado tínhamos o Nacional de Turismos - Ni Amorim em clara ascensão para uma carreira internacional, o Pêquêpê, o António Rodrigues, o Pedro Leite Faria (regressado da campanha internacional), Manuel Fernandes e tantos outros que elevavam bem alto "a fasquia" dos nacionais da época. Confronto de gerações e de ambições, mas um ponto comum: Atitude competitiva e profissional.

Quando saí de Portugal, em 1990, lembro-me de a Fórmula Ford ser responsável por lançar anualmente, pelo menos, 1 piloto para campeonatos internacionais: Castro Santos, Lamy, eu próprio, Gião, Viegas, Barbosa, Águas ou Gonçalo Gomes serão disso bom exemplo.

Era assim a situação no início dos anos 90 e a perspectiva seria de continuarmos a ter campeonatos, pelo menos esses dois, cada vez mais fortes e inclusive com a possibilidade de termos o Nacional de Turismos com cada vez mais "pilotos internacionais" que também quereriam dar uma "perninha" na sua terra!

Sem na época compreender como, comecei a ver a Fórmula Ford descer no número de participantes e o Nacional de Turismo ter como que "fim anunciado".

Muito poderia hoje escrever sobre o que acho que levou a que isso acontecesse:
Patrocínios, elevado número de troféus monomarca, o crescendo das corridas para "vips" ou mesmo a falta de entendimento entre todas as partes envolvidas - pilotos/Organizadores/Federação. Deixo-vos, no entanto, três apontamentos, que me provam que é a atitude dos pilotos (nossa) que está, em primeira instância, errada!

O Nacional de Turismos de 1996
Estávamos no ano de 1996, corria na Fórmula 3000 Internacional e estava numa fase da minha vida profissional que, ou ascendia à Fórmula 1 em 2 anos ou seguiria para os GT Internacionais, como na realidade o fiz.

Na altura, falaram-me em ser um dos protagonistas de um renovado C.N.V com carros de Turismo e que existia grande vontade de todas as partes... especialmente dos pilotos... em relançar um projecto que nunca deveria ter terminado em Portugal.

Achei a ideia fantástica, principalmente porque conseguiria juntar, como muitas vezes dizemos, "O Útil ao Agradável". Útil, porque estaria a competir no meu país, coisa que na altura já não fazia há 6 anos, útil também porque poderia continuar com uma ligação a um construtor (nessa época fui piloto oficial da FIAT e por conseguinte poderia manter uma ligação em Portugal através da Alfa-Romeo) e finalmente agradável, pois sentia que, com o meu contributo, poderia, mesmo que singelamente, ajudar a melhorar o automobilismo de velocidade em Portugal. (Como poderão facilmente depreender não era o C.N.V que me iria fazer viver, estando na altura num degrau tão importante como é a Fórmula 3000, mas nem por isso olhei para esse projecto como uma brincadeira!)

Pois bem... depois de reuniões e mais reuniões com pilotos chegou-se a uma decisão final. O campeonato 1996 iria para a frente com o "acordo de cavalheiros" realizado entre nós, pilotos, e somente haveria que comunicá-lo à Federação - ainda A.C.P. na altura.
Depois de inicialmente esta nos ter exigido um número mínimo de 15 participantes, e depois de realizarmos que dificilmente atingiríamos os 12/13... tive uma reunião com César Torres aqui em Lisboa e mostrei-lhe a nossa intenção em prosseguir com este projecto, mesmo que só com 10/12 carros... Sabem o que me respondeu?
Qualquer coisa deste tipo: "Pedro, se nos apresentarem 10 inscrições credíveis até à data "X" podem contar com o meu apoio, mesmo que o que desejasse fossem os 15 carros, mínimo, nas grelhas de partida!"

Depois desta "boa nova" parti para o Porto onde me reuni com vários pilotos nas instalações da "APPA"... O "Acordo de Cavalheiros" estava agora ainda mais simplificado pois bastavam aparecer 10 pilotos interessados.

Quando coloquei um ponto na mesa:
"Posso avançar em segurança com a compra do meu carro?"
Foi-me respondido que ali ninguém fugiria aos compromissos!
"Não devíamos todos os interessados deixar uma caução (1000 contos propus) para não haver quem fale por falar e depois diga que não avança..?"
Sabem o que me foi respondido? "Que ali ninguém falhava ou desonrava compromissos assumidos"
Pois foi precisamente o que se passou"


Acreditem que só chegaram 10 inscrições ao A.C.P. e... algumas delas até assinaturas falsas tinham... Mesmo do género: "assina aí por mim... que depois logo se vê..."

Como é natural César Torres não foi em brincadeiras e anulou-se um campeonato que tinha tudo para dar certo... Aliás... Desde então acho que nunca mais houve tantos pontos favoráveis... Mas...

A Fórmula Novis by Ford
Em finais 1998 a Ford Lusitana comunicava o final da Fórmula Ford em Portugal.

O Nuno (meu irmão) e eu tínhamos sido campeões nacionais com a nossa equipa, através do Ricardo Megre, e tínhamos começado a investir no desporto em Portugal, apesar de eu continuar a correr "lá por fora".

Depois de muitos estudos em conjunto com os nossos parceiros de então, apresentámos uma proposta à Ford em Portugal, que visava continuar com o projecto de "Fórmulas" de até então, mas agora com um carro completamente novo (foi concebido exclusivamente para Portugal pela Mygale) e que deveria alcançar as performances de um F.Renault e muito perto dos F.3 de então. Isto com custos de troféu e perfeitamente acessíveis aos nossos praticantes.

A juntar a tudo isto, planeamos uma forte acção de Marketing para o projecto e "Prize Money" de competição como nunca tinha sido feito em Portugal e que em nada nos envergonhava por esta Europa fora. Tudo isso foi possível graças a um novo interveniente no desporto motorizado em Portugal: a NOVIS. Nascia assim a Fórmula NOVIS by Ford.

Enchemos por mais de uma vez as bancadas do Estoril, mais de 3500 contos de prémios distribuídos por fim-de-semana (perguntem a alguns pilotos como Gonçalo Gomes, Ricardo Teodósio ou Pedro Salvador!), pela primeira vez um Fórmula Bi-Lugar em Portugal que levou muita gente aos circuitos, inclusive o ex-Presidente Jorge Sampaio...

Para culminar, uma competição onde as máquinas eram, e julgo que serão por algum tempo, as mais rápidas do panorama nacional. (os 1.37.9 feitos pelo Gonçalo Gomes no Estoril acho que não deixam muita margem para críticas quanto à qualidade dos bólides!). Finalmente, custos por época que iam desde os 12.000 aos 18.000 contos (a avaliar pelas consultas que fizemos a alguns dos intervenientes), com um retorno bastante acima da média e com um grau de exigência e competitividade somente encontrados nos melhores campeonatos internacionais. (Não me esqueço que alguns pilotos internacionais quiseram dar os seus primeiros passos em fórmulas, precisamente neste projecto português... Andy Soucek foi um deles e veja-se onde está agora: piloto vitorioso na World Séries 3.5!!!)

A BOOST
Quando no ano 2000, e depois de uma reunião entre o Nuno (meu irmão) e Paulo Ferreira, se decidiu arrancar com um projecto para dinamizar a velocidade em Portugal, poucos acreditaram que se conseguiriam unir tantas entidades diferentes em prol de um objectivo comum.

O Artur Lemos, o Moisés Martins ou o Nuno Silveira formaram, com o Nuno o Paulo e eu próprio, o "TaskForce" que desde início deu força a uma nova empresa de promoção do desporto automóvel em Portugal: a BOOST!

Em conjunto a BOOST tinha a Fórmula BMW, a Fórmula Novis by Ford, o Troféu Renault Clio e criaria mesmo um novo troféu: a Mazda Cup.

O projecto pretendia a realização de eventos de elevada qualidade, próxima dos padrões internacionais, e para isso necessitaria de um forte união entre todos os intervenientes para que se conseguissem com custos semelhantes realizar eventos de maior qualidade.

Nunca como até então se viram provas nacionais com tanto Publico, Promoção ou Organização. Nunca como até então tinha existido tamanha disciplina num evento nacional... Parqueamento, Acessos, Bilhetes e Credenciações, Horários ou Disposição de Boxes e Planeamento de Paddocks.

E foi esse mesmo o princípio do fim da BOOST. Querer, como se diz em português comum, "Pôr ordem na casa"!!!...

Todos dizemos que em Portugal é tudo mau, que não surgem ideias inovadoras ou que ninguém faz nada pelo desporto motorizado. Quando alguém faz, e felizmente que ainda vão aparecendo alguns, surge sempre uma contra-força. Tudo serve para o famoso "Bota-a-Baixo" e... quando já não há mais argumentos, existe sempre aquele tão tipicamente "nosso": estão a fazer isto para enriquecer!!!!...

A ideia que me dá é que, como dizia Eça de Queiroz, "Ninguém quer governar, mas ninguém quer ser governado". Uma verdadeira Anarquia!!!!

Conclusões
Depois de tanta prosa, peço desculpa pela falta de poder de síntese, deixo-vos uma conclusão simples. Mais simplificada com uma metáfora!

Em Portugal, grande parte dos pilotos (e muitas vezes os mais críticos!!!), não gostam de ser confrontados com desafios ou propostas de risco! Poucos encaram as corridas no "presente" ou "futuro"... É mais um "pretérito imperfeito" do automobilismo português: "Se tivéssemos... Se houvesse... Se... Se..."

Poucos querem ter um "Ferrari" nas mãos. A maioria prefere um "Minardi".
E sabem porquê?
Porque com o "Ferrari" só há um objectivo! Ganhar...
Com o "Minardi" é mais fácil fazer brilharetes...

Cá estarei em breve para a "Parte 2".
Um abraço,
Pedro
Quarta-Feira, 12 de Julho de 2006