SINISTRALIDADE - REVISTA ACP
Quando em Maio de 1988 passei no exame de condução e me deram para as mãos a tão esperada “carta”, estava longe de pensar que a partir daquele preciso momento a minha vida ia mudar radicalmente. Não me refiro a mudar, no sentido de passar a considerar-me um indivíduo “Auto-Mobilizado”, mas no sentido de ser atirado “literalmente” para um mundo selvagem e onde o respeito não impera.

Estava, então, bastante habituado ao mundo da competição automóvel, pois tinha já 7 épocas de Karting, modalidade onde desde muito jovem se aprende a lidar com a alta competição e as inerentes adversidades em pista que daí resultam. Em alta competição acabamos por conhecer os nossos adversários e, apesar das inúmeras adversidades, acabamos, de uma forma ou de outra, por respeitar quem connosco divide as pistas.
Foi precisamente esse o grande choque quando pela primeira vez me sentei ao volante e, sozinho, me aventurei pelas nossas estradas fora. A total falta de respeito pelo condutor que partilha as nossas estradas.

Desde a minha internacionalização, faz já 13 anos, que ando por este mundo fora e muito especialmente pela Europa, onde tenho percorrido dezenas de milhar de quilómetros.

Há uma conclusão evidente:
O condutor Português em nada fica a dever aos seus parceiros, exceptuado precisamente no comportamento e respeito em estrada. Somos de uma total falta de respeito pelas regras básicas de segurança e não existe a noção dos verdadeiros perigos que o seu não cumprimento pode originar na segurança pública... enfim.... falta-nos civismo.
Várias vezes me pergunto o que será necessário para mudar essa atitude, esse estado de plena inconsciência que atinge uma parte significativa dos nossos condutores.

Penso que a primeira grande solução reside na base da pirâmide da nossa sociedade. A escola primária deverá ser o embrião dos futuros condutores, não numa questão técnica, mas precisamente na questão do civismo e noção do verdadeiro flagelo que hoje em dia se vive nas estradas Portuguesas.
Mais acima nessa pirâmide, temos as escolas de condução. Também aqui, quanto a mim, urge implementar novos métodos de ensino. Sinto que cada vez mais o aluno não sai preparado para enfrentar o tal mundo real, mas sim para passar no exame e pouco mais.
Tenho a perfeita noção da necessidade de sabermos o código de trás para a frente e de o respeitarmos escrupulosamente. Mas para quê esse conhecimentos se o futuro condutor poderá não ficar com a mínima ideia do que é guiar com piso molhado?
Do mesmo modo tenho a sensibilidade que não podemos somente levar os futuros condutores para estradas ou pistas de testes e deixa-los sem consciência do que é parar num “Stop”.

Enfim, acho que tudo isso passa por uma questão de “Conta, Peso e Medida” e que tal não está a ser implementado neste momento.
Infelizmente todas estas situações parecem fáceis de mudar, mas certos devemos estar das dificuldades que imperam num sistema que já está em rodagem.
E é precisamente nesse sistema já em rodagem que julgo que se encontrarão as maiores dificuldades.

O condutor actual não teve uma formação que o leve a assumir os verdadeiros riscos que é estar por detrás de um “Volante”.
Julgo que todos nós automobilistas já alguma vez nos propusemos a “mentalmente” resolver este problema....
“Se eu fosse Governante...”
“Se eu fosse Autoridade ...” enfim ... “ Se eu pudesse mudar ...”
Nesse meu exercício, acredito que somente uma solução radical poderá ter consequências positivas. Infelizmente não acredito em grandes melhorias no sistema enquanto não existirem medidas drásticas, porventura, anti-populares, mas que serão para o bem de toda a comunidade.

Julgo que o famoso tema do "excesso de velocidade" é simplesmente uma pequena "franja" do verdadeiro problema em si... e não me parece que a sinistralidade possa ter um "travão" enquanto andarmos, somente, à volta deste problema.
Sensibilizar os condutores que nos dias de hoje, lidar com um automóvel poderá ser tão perigoso como lidar com uma arma de fogo e que para tal ele necessita de uma cuidada formação... ou..... as coisas podem correr mal!
Apesar de toda esta minha visão negativista da actual situação rodoviária em Portugal, penso que temos de ser positivos em relação ao futuro.

Como numa competição teremos muito trabalho pela frente se quisemos bem terminar esta corrida.
Mas o saber que existe uma “bandeira de xadrez” à nossa espera dever-nos-à deixar determinados nesta batalha....

Sexta-Feira, 21 de Fevereiro de 2003