NÓS POR CÁ 2 - SPORTMOTORES.COM
Era minha intenção que o texto anterior (Nós por cá! - Parte 1) tivesse englobado os 3 grandes ramos do desporto automóvel em Portugal. Como não consegui fazê-lo por completo numa só abordagem, resumi-me simplesmente à "Velocidade", e deixei para esta segunda parte os "Rallies" e o "Todo-Terreno". Julgo que desta forma não serei tão "maçador" e ao mesmo tempo poderei melhor exprimir a minha opinião.

Gostava de referir a minha satisfação em ver a criação de um fórum específico para as crónicas aqui apresentadas. Penso que o debate de ideias que começo agora a ter com os leitores do Sportmotores.com vem ao encontro das minhas intenções quando aceitei este convite.

Os Rallies:
Desde que a memória me permite, recordo ser esta a grande modalidade nacional. Acredito que para isso muito contribuíram o Rally de Portugal e o Rally da Madeira, verdadeiras referências mundiais da especialidade e que, pela sua enorme projecção nacional e internacional, possibilitaram aos participantes portugueses uma visibilidade impar. Tive o privilégio de estar integrado no Rally da Madeira de 2003, como Carro "0", e vi por dentro a qualidade e empenho dos organizadores nacionais nesta prova internacional.

Tais "empurrões", no entanto, não foram suficientes para termos um nível competitivo que permitisse aos "nossos" pilotos evoluir para uma carreira internacional e, com isso, equiparar-se ao que a "Velocidade" nos deu. Uma "Legião Estrangeira" digna de registo.

As excepções de Coutinho, Madeira, Campos e pontualmente Adruzilo Lopes e Armindo Araújo confirmam a regra de:
Em Portugal os pilotos de Rallies estão voltados para "dentro" e raramente têm grandes objectivos de carreira.
Julgo que existem três motivos primários para que tal sempre tenha sucedido e, infelizmente, continue a suceder: 1- Competitividade, 2- Regulamentos e 3- Comodismo dos Pilotos.

1- Competitividade
Se bem analisarmos a lista de inscritos das provas de Rallies em Portugal, facilmente constatamos que o número de participantes é numeroso, mas não assim tão elevado que leve a comentários do tipo: "A velocidade anda ás moscas comparada com os rallies."
Vejamos. Se juntarmos todos os inscritos de um fim-de-semana da "Velocidade" somos até capaz de reunir mais pilotos de que uma prova dos "Rallies"!
As coisas não são tão lineares como ás vezes se comentam.
Mais... a competitividade também não sai em nada "envergonhada", na comparação das duas especialidades. A realidade é que a competição directa entre concorrentes trás sempre a possibilidade de analisarmos mais pormenorizadamente as diferenças de andamento e daí resultarem comentários soltos daqueles "opinadores" de que vos falava na minha primeira crónica deste ano. Dou-vos 1 exemplo tipo:


- Qualquer trofeu na velocidade que tenha menos de 10 carros é tido como uma competição sem interesse e dita como "Sem competitividade",
O que diremos, então, quando presenciamos um Trofeu Renault ou uma Fórmula Ford em que temos os 10 primeiros tempos da grelha separados por menos de um segundo..... Nos Rallies vejo muitas vezes comentários de "Grande competitividade" relativamente a provas em que os pilotos ficam a mais de 1Seg./Km... e isto na mesma classe ou até no mesmo trofeu! Será que se assistíssemos a uma corrida no Autódromo do Estoril e no final das 15 voltas tivéssemos o primeiro e segundo classificado separados por meia volta, o terceiro a mais um pouco e o quarto e quinto a umas voltas mais, acharíamos algum interesse? Infelizmente é o que se passa na maioria dos casos!

- E quantos pilotos temos a lutar pela vitória nas diversas provas dos nacionais de rallies?
Muito poucos... menos que os dedos de uma mão! Há muitas classes... muitos trofeus.... mas poucos carros por cada disciplina, no meu entender... Isto leva a um outro ponto!

2- Regulamentos
Nunca compreendi como, num país com poucos recursos, nos permitimos ter campeonatos nacionais de rallies com WRC ou classes internacionais de valores tão elevados. Será como permitir um C.N.V com Fórmula 1's ou GT's! Acho que temos campeonatos fora do contexto e realidades nacionais....
É muito bonito termos as "bombas" que temos vistos nos últimos anos... mas para quê?
Para termos 2 ou 3 carros e depois os outros...

Faz-me lembrar um pouco campeonatos que existem para os lados das Arábias e Índias, onde correm Fórmula Renaults, Fórmula 3... mas também deixam correr Fórmula 1....
Temos demasiadas classes e trofeus que originam muitos campeões, mas pouca competitividade. Francamente gostava de ver pilotos com a qualidade de um Armindo, Magalhães, Fontes, Peres ou Campos e outros mais, todos a correr em carros de uma mesma classe e de características semelhantes. Pessoalmente não vejo interesse em termos tantas competições dentro da mesma competição, mas com tão poucos carros vitoriosos. Tal facto serve até para que o público menos entendido não compreenda porque motivo temos tantos campeões!

Não acho que se deva transformar o campeonato nacional de rallies num trofeu de carros de baixa cilindrada ou qualquer coisa do tipo, mas criar um maior nivelamento, mesmo se com recurso a uma clara redução de classes.

É natural que os pilotos gostem de guiar o que de melhor há a nível internacional, mas deveriam ser eles mesmo a querer regulamentos muito mais "balizados" em termos de "montadas"! Este facto leva-me ao último destes pontos dos Rallies....

3- Comodismo dos Pilotos
Se analisarmos com algum pormenor, chegamos à conclusão que em Portugal existe 1 ou 2 pilotos de rally que têm no desporto automóvel a sua profissão!... Esse ponto é natural uma vez quase nenhum ter querido seguir uma carreira internacional e quando o quer ver-se quase sempre limitado pelos "budgets" dos seus patrocinadores. Mas tem mais. Não tenho visto em Portugal pilotos que tenham querido subir pelos diversos degraus do automobilismo (Rallies) internacional. Ir para trofeus monomarca noutros Países e em função dos resultados tentar a sua sorte no Mundial. Todos sabemos que os "Loeb" ou os "Sordo" deste mundo não começaram as suas carreiras internacionais ao volante de WRC! O Pedro Lamy, quando foi campeão nacional de Fórmula Ford em 1989 não quis ir directamente para o Mundial de Fórmula 1 ou para o Campeonato Internacional de F3000! Poder-me-ão dizer que a realidade da velocidade e dos rallies é diferente, mas a estruturação de carreiras é igual em todo o lado. Julgo que aqui as equipas oficiais nacionais também têm tido um papel "menos positivo" nesse processo. Explico!

Todos os pilotos querem ser pilotos oficias de uma Peugeot, Mitsubishi, etc... Isso significa correr para ganhar, não ter de se preocupar com patrocinadores e ter um futuro a curto ou médio prazo garantido, mas... e depois?
Quando querem dar o salto... quem os pode apoiar se eles não fizeram a outra parte do trabalho? É uma situação muito mais complexa do que aqui vos descrevo, mas acreditem que este é um dos pontos principais.

O Todo-Terreno:
O Todo-o-Terreno nacional viveu na década de 90, como todos sabemos, um período dourado, período esse que nos deu um piloto de craveira internacional como é o Carlos Sousa. Muitos factores fizeram com que o nosso TT tivesse atingido patamares tão elevados, mas julgo que houve dois que foram o motor de tudo isso. O Imposto Automóvel e as Organizações do José Megre.

Por terem tido durante tanto tempo um IA tão abaixo dos outros veículos, os carros TT tornaram-se muito mais apetecíveis para pilotos e com as vendas em "alta" ou mesmo "muito alta", as marcas envolveram-se de forma "impressionante". Lembro-me da fuga de pilotos da velocidade e rallies que existiu nessa época, fruto da dificuldade em fazerem projectos nas suas modalidades preferidas. Bento Amaral, os irmãos Mello Breyner ou o Miguel Barbosa são um bom exemplo disso.

Se juntarmos a tudo isto as condições fantásticas para a prática da modalidade em Portugal, vemos porque o TT foi "Rei" do desporto motorizado no nosso país durante tanto tempo.

Penso que o TT irá sofrer como todas as outras modalidades sofreram, e talvez mesmo mais. Julgo que esta modalidade irá retornar à "estaca zero" onde os seus protagonistas eram essencialmente os amantes de "Raids" e "Gentleman Drivers"... O tempo dirá se tenho razão.

As excelentes organizações de provas internacionais que temos tido o prazer de acolher no nosso País, poderão, espero, ser o "balão de oxigénio" para que a modalidade não sofra esse revés. Mas como referi neste texto, isso só não basta.

Despeço-me até ao meu próximo texto, onde irei abordar outro tema que julgo muito interessante para todos, sobre o qual muito se fala nos últimos anos, mas que poucos têm uma noção real do assunto: O Retorno Mediático!

Abraço e até breve,
Pedro Couceiro
Quarta-Feira, 30 de Agosto de 2006